domingo, 31 de maio de 2009

Rapidinhas: na Itália com Bergman e na França com Kelly

Stromboli

Stromboli , 1950 – Dirigido por Roberto Rossellini

Um dos pais do neo-realismo italiano, Roberto Rossellini atingiu o ápice de sua carreira ao retratar nas telas a face sofrida de sua amada pátria no período do pós-guerra. Com Stromboli¸ o diretor usou as lentes de sua câmera para retratar outro caso real, mas em menor escala: o drama da atriz Ingrid Bergman. Coincidentemente ou não, muito dos eventos do filme refletem o que a estrela de Casablanca, então companheira de Rossellini, enfrentava na época. Bergman chocou o mundo ao deixar seu marido para assumir o caso com o diretor italiano, o que a tornou persona não grata na América. Ela se mudou para a Itália onde fez seis filmes com Rossellini, dentre os quais Stromboli é o primeiro.

Aqui Bergman interpreta Karin, uma jovem que, para fugir de um campo de concentração, se casa com um humilde pescador italiano (Mario Vitale) e vai morar na ilha vulcânica de Stromboli, ao norte da Sicília. Karin logo encontra uma série de dificuldades em sua nova vida, tendo que lidar com as barreiras do idioma e com a hostilidade do público local que a acusa de adultério - do mesmo modo que Bergman teve que se adaptar ao novo país e ainda fugir da perseguição da sociedade. As comparações não param por aí. Assim como sua personagem sai de um mundo de classe alta para uma vida de miséria (“de um extremo ao outro”, como ela diz), a atriz também trocou os estúdios de Hollywood por filmes rodados em locações feitos sob baixos orçamentos. No final das contas, a mudança lhe foi positiva. A Ingrid Bergman dirigida por Rossellini se desarma de alguns artifícios melodramáticos que marcam certas atuações suas em filmes americanos, criando uma caracterização mais naturalista que vai ao encontro do estilo dos demais atores de Stromboli (em sua grande maioria não profissionais). A falta de maquiagem e de iluminação artificial apenas contribui para realçar sua beleza natural.

Mesmo em um drama mais intimista, o diretor se mantém fiel aos dogmas do neo-realismo ao retratar a vida sofrida dos pescadores da ilha que, além da miséria ainda vivem sob a mercê da fúria da natureza. Ao lado do diretor de fotografia Otello Martelli, Rossellini captura em filme dois poderosos momentos: os pescadores exercendo seu ofício em alto mar e o poderoso vulcão em erupção. Mas no final das contas, o filme realmente pertence à Ingrid que, mesmo em um papel atípico e egoísta, não deixa difícil perceber o porquê de o diretor estar apaixonado por ela.

Disponível em DVD pela Versátil

Sinfonia de Paris

An American in Paris, 1951 – Dirigido por Vincente Minnelli

Vincente Minnelli pode ser considerado um dos principais responsáveis por elevar o gênero de filme musical ao status de arte. Ainda que não seja a melhor de suas obras (estas são Agora Seremos Felizes e Gigi), Sinfonia de Paris impressionou o bastante na época a ponto de levar seis estatuetas na noite do Oscar, incluindo a de Melhor Filme.

Escrito por Alan Jay Lerner (mais tarde responsável por Gigi e My Fair Lady), o roteiro de Sinfonia de Paris não escapa do arquétipo padrão de musicais da Metro: como perfeitamente descrito por Frank Sinatra em Isto Era Hollywood, “garoto conhece garota, garoto perde garota, garoto canta e consegue a garota.” Neste caso, o garoto é Jerry Mulligan (Gene Kelly), ex-soldado que agora se dedica à pintura na cidade das luzes. A garota é uma estreante Leslie Caron que, apesar de ter alcançado grande sucesso em outros filmes, aqui claramente demonstra não ter total consciência do que fazer quando não está dançando. O lado subversivo do romance é que, ao mesmo tempo em que vivem um affair, ambos vão para a cama de pessoas diferentes (ou assim subentende-se): ela para a de um cantor amigo de Jerry (Georges Guétary) e ele para a de uma mulher mais velha que patrocina sua arte (Nina Foch). Esta ruptura de caráter que faz do personagem de Kelly um semi-gigolô o torna mais interessante do que o tradicional “sujeito boa praça” interpretado pelo ator durante toda sua filmografia (e a decisão de vestir o bailarino em collants revela mais sobre o Minnelli do que pode ficar explícito na tela).

A história é, no entanto, apenas um pretexto para a apresentação de clássicas canções do vasto repertório de George Gershwin (incluindo “I Got Rhythm” e “S’ Wonderful”). Os números musicais possuem uma série de predicados próprios, embaladas pela sempre criativa coreografia de Kelly e pelo fantástico tato na direção de arte de Minnelli. De fato, torna-se tão fácil se deixar seduzir pelo seu “cinema dos sonhos” (como definiram os críticos da Cahiers du Cinema) e acabar suprimindo as falhas narrativas do filme. Mas o que fez Sinfonia de Paris realmente conquistar seu lugar na história do cinema foram os frenéticos dezoito minutos finais: uma sequência única de balé onde o casal revive sua história de amor utilizando pinturas de consagrados artistas impressionistas franceses como cenário. É neste momento em que o perfeito casamento da arte de Kelly e de Minnelli criam algumas das mais belas imagens já capturadas em película. Se a cena final é apressada e obviamente calculada é porque o diretor sabia que nada conseguiria superar aqueles momentos. Melhor mesmo é se retirar enquanto se está no topo.

Disponível em DVD simples no Brasil e em DVD e Blu-ray especiais nos EUA (com uma fantástica restauração), todos pela Warner

Confessão do dia 1: eu também me apaixonei por Ingrid Bergman

Confessão do dia 2: Gene Kelly e Leslie Caron dançando na fonte esfumaçada é uma das cenas mais sensuais do cinema

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