quarta-feira, 3 de junho de 2009

Rapidinhas: Hitchcock down under e Bergman autobiográfico


Sob o Signo de Capricórnio


Under Capricorn, 1949 – Dirigido por Alfred Hitchcock


Um dos filmes mais incomuns de Hitchcock por não se tratar de um suspense tradicional e sim um drama de época. Infelizmente, também é uma de suas produções menos atraentes. Baseado em um romance escrito por Helen Simpson, a história se desenrola na Austrália colonial de 1831. Em uma atuação que traz ecos de seu papel oscarizado em À Meia Luz, Ingrid Bergman é Lady Henrietta, a perturbada e alcoolizada esposa de um próspero ex-condenado irlandês (o sempre versátil Joseph Cotten) com má fama entre a elite australiana. O conflito se desenrola a partir da tentativa do sobrinho do governador (Michael Wilding) de ajudar a sofrida mulher a se livrar de seus tormentos do passado. O melodrama é uma escolha fora do usual para Hitch e, apesar da inserção de seus usuais elementos de suspense, as revelações que esses acarretam não deixam de atuar como um anticlímax (o mesmo pode ser dito do filme como um todo).


Sob o Signo de Capricórnio deu continuação aos experimentos com longos planos sequência iniciados com Festim Diabólico no ano anterior. Embora a fluidez com que Hitchcock mova sua câmera seja uma arte a parte (e belamente colocada em prática na cena bravura em que Bergman faz uma confissão sobre seu passado), é possível imaginar o quanto a narrativa letárgica teria se beneficiado da característica edição hitchcockiana. Em contrapartida, o diretor já mostra domínio sobre o uso da cor (este foi apenas seu segundo filme em Technicolor) para afetar emocionalmente o espectador e contribuir para a narrativa. Apesar de a produção ter sido um veículo para Ingrid Bergman, a estrela sueca é desbancada pelo desempenho restringido de Margaret Leighton como a inescrupulosa governanta Milly. Remetendo à Mrs. Danvers de Rebecca: A Mulher Inesquecível com sua paixão reprimida pelo seu mestre, a personagem pertence ao panteão dos grandes vilões de Hitchcock.


Sob o Signo de Capricórnio é mais um título de Hitchcock vítima das distribuidoras de fundo de quintal no Brasil. Existem duas versões em DVD no mercado: a primeira, lançada sob a infame Continental/Silver Screen, deve ter sido masterizada de um VHS como os demais títulos da distribuidora. A versão mais recente (e barata) foi lançada pela USA Filmes e, apesar de ser uma cópia da transferência do DVD americano, boa parte do áudio durante o filme está fora de sincronia com a imagem.


Fanny e Alexander


Fanny och Alexander, 1982 – Dirigido por Ingmar Bergman


A primeira cena de Fanny e Alexander introduz o menino do título (Bertil Guve) a contemplar um palco em miniatura vazio. Nós, no papel de espectadores, nos encontramos em uma espécie de ponto subjetivo, observando o personagem atrás das cortinas. Com este plano, Bergman estabelece um paradoxo que percorre ao longo do filme: seria o que se desenrola na tela fruto da imaginação supressa do protagonista ou realmente parte do universo real da narrativa?


Ao início do filme, contemplamos a vida feliz levada por Alexander e sua irmã mais nova Fanny (Pernilla Allwin) em meio a sua excêntrica família burguesa. Quando o pai das crianças morre inesperadamente, sua mãe se casa com o bispo de bom nome Edvard Vergerus (Jan Malmsjö), que leva a viúva e filhos para viverem em sua isolada residência. É amplamente conhecido o fato de Fanny e Alexander ser um reflexo da própria vida do diretor sueco, e estes elementos autobiográficos se fazem acentuados a partir do momento em que o padrasto começa a mostrar suas verdadeiras cores (o pai de Bergman era um clérigo estrito). No entanto, o filme também é uma fábula a certo ponto, com Bergman trazendo a tona os aspectos mais sombrios dos contos de fadas – e, de certa forma, a sua verdadeira cerne. A trajetória de Fanny e Alexander traz reflexos de João e Maria, desde sua sedução pela bruxa malvada em pele de cordeiro até sua épica fuga e libertação (neste caso, tanto de corpo quanto mente). Enquanto Alexander atravessa o processo catártico da narrativa, Fanny atua como observadora dos atos de selvageria sofridos pelo irmão – de fato, uma continuação poderia ser produzida apenas explorando os efeitos psicológicos sofridos pela menina.


Não apenas um pastiche de estilos, Fanny e Alexander também é uma alegoria de amadurecimento através do sofrimento, da libertação dos desejos mais profundos (não importando o quão impuro eles sejam) e também uma fábula de moral. Tudo isso suportado pelo costumeiro panache visual de seu diretor.


Fanny e Alexander foi lançado em DVD no Brasil pela distribuidora Versátil, mas se encontra fora de catálogo. Nos EUA recebeu tratamento especial da Criterion, estando disponível em sua versão de cinema de três horas e na versão do diretor (exibida na televisão como mini-série) com metragem de 312 minutos.


Confissão do dia: Bergman é exercício para a mente (e para interpretações pretenciosas também)

Um comentário:

  1. toh pasma com seu blog! vou le-lo com calma amanha! preciso ir para PA bebermos cafe e ficarmos horas falando de cinema. estilo clássico. rs. beijao!

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